*Artigo originalmente publicado no site www.funcex.org.br

Os Fundos de Investimentos são objetos já conhecidos do mercado de capitais, consistentes em condomínio especial e registrados perante a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), empregados como veículos coletivos de investimentos, por meio dos quais inúmeros cotistas se agrupam para negociar em melhores condições a aquisição de ativos diversos, assim, diluindo riscos associados. Desta forma, são condomínios de recursos aportados por investidores, que terão retorno de capital com a distribuição de rendimentos pelo fundo ou com a negociação de suas cotas em mercado secundário. É a soma do valor investido responsável por formar o patrimônio a ser movimentado e aplicado pelo fundo.

Nessa esteira, surgem os Fundos de Investimentos nas Cadeias Agroindustriais (Fiagro), com a edição da Lei nº14.130/2021 que altera a Lei nº 8.668/1993, como um novo mecanismo de securitização para o agronegócio brasileiro, formando claro estreitamento entre o agronegócio e o mercado de capitais. Isso porque o crescimento e a eficiência do agronegócio estão intimamente vinculados à visão atual da integração de atividades e novas fontes de financiamento, que deixou de contemplar exclusivamente aquelas ligadas diretamente ao cultivo da terra, assim cuidando de extensa cadeia de negócios, que é responsável por ampliar o importante setor da economia nacional. Com isso, são alcançados variados objetos jurídicos que vão desde o fornecimento de insumos até a industrialização, comercialização e distribuição, em mercado interno ou internacional, de alimentos, fibras e bioenergia. O emprego de tecnologia e a verticalização dessas atividades com a participação de agricultores dinâmicos e determinados são as principais razões para o apontado desenvolvimento.

A integração às cadeias agroindustriais, conforme ensinamentos dos professores Décio Zylbersztajn e Marcos Fava Neves leva a menores custos de transação por meio de eficiente aquisição de insumos e maquinários, melhorias dos processos internos, acesso às linhas de financiamento adequadas, utilização de ferramentas de comercialização mais vantajosas e melhor gestão do risco. Diante desse cenário, é natural que o ordenamento jurídico busque acompanhar a evolução da atividade, criando incentivos e arcabouço legal necessários para desenvolvimento da exploração econômica de forma profissional, em contexto organizado para melhor ambiente de negócios.

É operado com a securitização,1 aqui trazida como tecnologia financeira usada para converter uma carteira relativamente homogênea de ativos em títulos passíveis de negociação. É, pois, uma forma de transformação de ativos ilíquidos em títulos mobiliários líquidos e de transferência dos riscos associados para os investidores que os compram.

Nesse sentido, é designada como importante ferramenta para o desenvolvimento econômico do setor, na medida em que capta recursos para empresas e garante maior rentabilidade aos investidores, afirmando sua operabilidade a partir de três eixos fundamentais: (i) o cedente, ou seja, o credor que tem contas a receber; (ii) a securitizadora, instituição que transformará essas contas em títulos passíveis de negociação no mercado de capitais; e (iii) o investidor, que é quem efetivamente comprará esses títulos e assumirá seus riscos recebendo, em troca, o rendimento econômico. A securitizadora, portanto, opera como intermediadora necessária dos diálogos entre cedente e investidor. A securitização, por seu turno, é capaz de mobilizar riquezas, diminuir riscos e ocasionar a desintermediação de processos de financiamento.

Ao resumir o conceito de securitização, podemos destacar os seus principais elementos, entre eles: mecanismo estruturado, mobilização de riqueza, dispersão de riscos, adiantamento de recebíveis, cessão onerosa do crédito (true sale) com efeito de retirada dos recebíveis do balanço do cedente (off balance sheet), companhia securitizadora ou outros veículos, emissão de títulos/valores mobiliários lastreados nos créditos recebidos, antecipação de recursos, redesenho do fluxo de caixa, transferência de riscos, compromisso de pagamento futuro de principal e juros ao investidor, segre- gação de ativos e classificação de risco.

Nova fronteira à securitização no agronegócio, o Fiagro visa ampliar o volume de investimentos no setor, agregando maior eficiência e governança, com a entrada de novos investidores, até então, afastados. De inspiração nos já experimentados pelo mercado Fundos de Investimento Imobiliário (FII), o Fiagro amplia o escopo de investimentos, aprimorando os desenhos existentes para flexibilização e maior atratividade dispondo, assim, de natureza jurídica própria e se submetendo a regime jurídico específico.

De natureza polivalente, o Fiagro pode atuar em múltiplas teses de investimento no âmbito das cadeias agroindustriais, tais como ter escopo direcionado a investimentos líquidos no setor do agronegócio (títulos do Agro), ser veículo de investimentos em private equity em sociedades limitadas e companhias fechadas do setor e ser veículo de investimento imobiliário focado no setor agropecuário. Diversas são as vantagens de sua constituição, na medida em que oferta maior liquidez aos produtores rurais, ampliação do profissionalismo no setor e aceleração das médias empresas, com investimento via venture capital e IPO. Por fim, é lícito adquirir recebíveis oriundos do setor agroindustrial e de natureza creditória e imobiliária rural, diretamente, ou empacotados em títulos de securitização.

Como é possível notar, portanto, o Fiagro também pode afetar imóveis rurais, sendo-lhe possível o arrendamento ou alienação dos imóveis que vier a adquirir, uma vez que foram esses fundos instituídos em um compêndio de mobilização do crédito para o setor agropecuário objetivando garantias reais robustas, por meio de veículo apto a exercer a propriedade imobiliária. Ainda, são previstos benefícios ao fluxo de investimentos à atividade agropecuária brasileira, aos proprietários rurais e ao governo, contribuindo para a regularização fundiária e arrecadação tributária.

Com vistas à viabilização da rápida constituição dos primeiros Fiagro, a CVM editou a Resolução nº 39 – que compreende regime experimental e transitório –, permissiva da solicitação do registro de funcionamento mediante utilização de bases normativas dos demais fundos de investimento estruturados existentes. Nessa sistemática, foram criadas três categorias de Fiagro, cada uma vinculada à base normativa a ser aplicada “por empréstimo”: o Fiagro – Direitos Creditórios, o Fiagro – Imobiliário e o Fiagro – Participações.

O Fiagro – Direitos Creditórios pode ser expresso em fundo de investimento voltado à agroindústria que aplique capital em direitos creditórios, utilizando como plataforma normativa a ICVM nº 356/2001. De inspiração nos Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC), essa modalidade de Fiagro tem como público-alvo investidores qualificados e pode ser constituído nas modalidades aberta ou fechada. São ativos possíveis de aplicação: (i) ativos financeiros, títulos de crédito ou valores mobiliários de renda fixa emitidos por pessoas físicas e jurídicas que integram as cadeiras agroindustriais; (ii) direitos creditórios do agronegócio e títulos de securitização, cotas de FIDC e que apliquem mais de 50% nesses direitos creditórios; e (iii) direitos creditórios imobiliários referíveis a imóveis rurais e títulos de securitização emitidos com lastro nesses direitos creditórios, cotas de FIDC e que apliquem mais de 50% nesses direitos creditórios.

Já, o Fiagro-Imobiliário, permite a aquisição de ativos imobiliários e títulos e valores mobiliários que se encontrem na intersecção entre o universo imobiliário e do agronegócio, além de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs) e Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs). Com incidência da ICVM nº 472, viabiliza a aquisição de direitos reais sobre terras agrícolas que, ao serem valorizadas, gerarão retorno aos investidores, rentabilizados pela distribuição. É, assim, mecanismo de democratização de investimento no setor e porta de entrada para pequenos investidores em terras agrícolas, costumeiramente de custos elevados. Diretamente inspirado nos FIIs, essa modalidade de Fiagro tem como público-alvo investidores em geral e deve ser constituído na modalidade fechada. Além dos ativos apontados, sua política de investimentos ainda engloba Cédula de Recebíveis Imobiliários (CRI) com lastro em créditos de imóveis rurais e Cotas de FII, Fiagro e FIDCs com política aderente.

Por fim, o Fiagro-Participações, que empresta as disposições da ICVM nº 578, é voltado ao investimento em quaisquer sociedades integrantes da cadeia produtiva agroindustrial, abertas ou fechadas. Nesse caso, o investidor poderá aplicar seus recursos em negócios estruturados, geralmente com natureza de private equity ou, ainda, ter acesso a veículos de investimento em empresas participantes da logística, armazenagem e distribuição de produtos e subprodutos rurais. Direcionado a investidores qualificados e constituído em forma de fundos fechados, o Fiagro-Participações abarca, como ativos possíveis: (i) ações, debêntures simples e outros títulos ou valores mobiliários conversíveis em ações de companhias abertas ou fechadas e (ii) títulos e valores mobiliários representativos de participação em sociedades limitadas. O fundo, por seu turno, deverá participar do processo decisório da sociedade investida, com efetiva influência na definição de sua política estratégica e na sua gestão.

Vale dizer, todavia, que existem vedações na constituição do Fiagro, como é o caso do Fiagro “Híbrido”, no qual se busca a aquisição de ativo que não se coaduna com a categoria de Fiagro constituída e registrada. Também, é vedada a aquisição de direito creditório não padronizado pelos fundos e, ainda, a aquisição de títulos de crédito do agronegócio, ao Fiagro-Imobiliário, que não LCA e CRA. Ademais, é necessária previsão acerca da tributação sobre investidores não residentes.

Além do apontado, importantes atrativos aos investidores sobre o Fiagro, consistem em seus aspectos tributários, de vez que a legislação optou por concentrar a tributação dos rendimentos e ganhos oriundos de fundos no nível dos cotistas, de modo que estes, em regra, não sofram tributação de sua carteira de rendimentos. Assim sendo, a carteira do Fiagro é isenta do Imposto de Renda (como verificado nos FIIs), salvo em relação aos rendimentos e ganhos líquidos oriundos de aplicações financeiras.

No mesmo sentido, a legislação isenta a tributação das aplicações em papéis e títulos do agronegócio, tais como CDA, WA, CDCA, LCA, CRA e CPR, bem como em relação aos rendimentos distribuídos por FIIs e Fiagros, cujas cotas sejam negociadas em bolsas de valores ou em mercado de balcão organizado.

 

Autor: Renato Buranello
Doutor em Direito Comercial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), com capacitação docente em Direito e Economia pela Direito FGV/RJ. Sócio do VBSO Advogados. Coordenador do Curso de Direito do Agronegócio do Insper. Vice-Presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag). Membro da Câmara de Crédito, Comercialização e Seguros do Ministério da Agricultura (Mapa) e do Conselho Superior de Agronegócio (Cosag) da Fiesp. Fundador do Instituto Brasileiro de Direito do Agronegócio (IBDA).